Naquela noite de abril de 2010 nos reunimos para protestar e pedir respostas a tantas perguntas que a mandatária da Fundação Cultural de Blumenau se negava a responder. Não, não foi um fato isolado e não foi naquela noite que decidimos pegar nossas panelas e vozes para tentar, mais uma vez, sermos ouvidos.
O Titanic Fundação Cultural de Blumenau já havia esbarrado no seu iceberg muito antes, logo após a enchente de 2008 devastar a cidade. A nomeação da nova mandatária da FCBLU (que admitiu ao Jornal de Santa Catarina que a sua nomeação era fruto de negociações partidárias) deveria ser aclamada pelos videntes, porque ao ser nomeada a mesma comparou os artistas de Blumenau aos violinistas do Titanic, que animam o povo enquanto o barco afunda. E realmente, o barco começou a afundar naquele ano. Desde então os artistas da cidade decidiram lutar contra a previsão da mandatária.
Em agosto de 2009 mais de 200 artistas organizaram e participaram do festival “Nosso Inverno”, que tinha como foco o protesto contra a falta de política pública cultural em Blumenau. A mandatária apareceu apenas na abertura do evento, viu o espetáculo manifesto e não voltou para o debate no final do Nosso Inverno. Ali teve início a não conversa com os artistas e a união dos mesmos iniciando o “Movimento Cultural Devolvam os Nossos Braços”.
Em abril de 2010 mais um buraco era feito no casco do Titanic: a falta de explicação e o atraso do pagamento dos artistas participantes do Salão Elke Hering. Na noite do dia 14 daquele mês nos reunimos em frente à FCBLU e iniciamos o nosso protesto em busca de respostas, não apenas para o pagamento do Salão, mas também para o fechamento do Casarão das Oficinas, o problema com a Escolinha de Artes, entre outros enigmas. A reunião deveria ter acontecido uma semana antes, porém a mandatária nos deixou esperando, e mais uma vez ficamos sem respostas.
Naquela noite tínhamos panelas, colheres e vozes. Tínhamos a união e representávamos os mais de 200 artistas do “Movimento Cultural Devolvam os Nossos Braços”. As panelas e as colheres se uniram antes da reunião, e foram silenciadas para que as vozes de quem as tinha em punho tomassem conta do espaço.
Na carta aberta que escrevi naquela noite, após a reunião, relatando os fatos, digo o que aqui faço questão de repetir:
“A reunião teve início e durante, aproximadamente, duas horas vimos uma “representante” da cultura se justificando, colocando a culpa no jurídico, nas gestões anteriores, na burocracia, nos artistas, etc. Somente após a artista Aline Assumpção falar sobre a desorganização do Edital do 9º Salão, citando algumas das falhas ocorridas, somente depois de não ter para onde fugir, de não ter como culpar outros, a presidente (...) assumiu que houve falhas durante o processo do 9º Salão, e disse que 21 projetos foram aprovados ontem. Isso mesmo: ONTEM. Após a pressão dos artistas a Fundação reconheceu o seu erro: “Edital errado, sim, horrível”, disse (...) a diretora administrativa e financeira”
Aline não foi a única a falar, porém foi a mais sensata, e como (na época) era uma das representantes dos artistas no Conselho Municipal de Cultura, falou em nome de todos. Tanto é que nenhum dos presentes se manifestou de forma contrária às palavras de Aline.
Não recordo com precisão a ordem dos fatos, mas desde então o Casarão das Oficinas, onde eu ministrava aulas de teatro, foi fechado; o telhado da Escolinha de Artes desabou e tudo foi demolido; o Museu Fritz Müller só acumula problemas; a Feira do Livro se tornou uma vergonha; a mandatária se sentiu ofendida e abriu um processo contra Aline Assumpção, na época Conselheira Municipal de Cultura, que em sua fala representava a classe artística e a população blumenauense; Márcio Cubiak e Aline Assumpção, dois Conselheiros Municipais de Cultura, pediram a destituição de suas funções; e os espaços da Fundação, antes gratuitos aos artistas, começaram a ser cobrados.
Sim, a mandatária conseguiu cortar os braços dos artistas e da população que clama por apoio às artes, braços estes que tentavam desesperadamente fechar os buracos no Titanic para que a água não entrasse. A luta continuou, mesmo sem braços, a agora a mandatária corta as nossas línguas, para que não possamos mais utilizar as nossas vozes pedindo socorro aos céus.
Hoje, 20 de junho de 2011, completa um ano que não moro mais em Blumenau. Atualmente resido no Rio de Janeiro/RJ e busco aprimorar a minha arte sem esquecer da importância que a cultura blumenauense tem na minha vida. São com os artistas de Blumenau que continuo a desenvolver meus projetos. O Titanic Fundação Cultural de Blumenau afundou e meus amigos artistas estão boiando em mar aberto tentando sobreviver. De onde estou me jogo no mar, não para resgatá-los, porque não cabe a mim fazer ressurgir do fundo da escuridão marítima a Fundação, mas para lutar com eles pelo direito de livre expressão.
Rafael Koehler
Ator
Grupo K - Teatro
Um comentário:
acho muito legal essa metáfora: antes, sem braços, agora sem língua. Mas tem que dizer pra presidente da instituição aproveitar e pedir um pônei
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