domingo, 10 de julho de 2011

Pierre e a Verdadeira Nudez


Pierre levantou do sofá onde havia passado os últimos 7 dias, caminhou calmamente até o banheiro e lavou o rosto, virou e se olhou no espelho. O que ele via ia muito além do seu corpo nu, do cabelo desarrumado, da bunda marcada pela espessura do tecido do sofá, dos dedos lambuzados de chocolate, do pênis murcho pelo frio, das coxas finas, dos braços com pouco músculo. O que ele via era a tristeza da alma, a dor no peito, o desejo de gritar, de cravar no peito uma faca, de bater com a cabeça na parede, de arranhar todo o seu corpo com suas unhas enormes, de deixar uma marca na face para que ninguém mais o olhe, para que ninguém mais o deseje, para que ninguém mais o iluda.
Em frente ao espelho Pierre olhava dentro dos seus olhos. O que ele via era toda a aflição, toda a agonia, toda a amargura, toda a angústia, toda a ansiedade, todo o desgosto, toda a dor que habitava a sua alma. Não, as lágrimas não corriam e ele não sentia vontade de chorar. O que Pierre sentia era tão forte que transcendia a vontade do corpo de colocar para fora através de lágrimas, não adiantava chorar porque deixar as lágrimas correrem era pouco, era insignificante, medíocre.
Com o rosto levado, o corpo nu, Pierre saiu do banheiro, caminhou até a cozinha, abriu a porta, apertou o botão do elevador, esperou o mesmo chegar ao seu andar, entrou, apertou o botão do térreo, desceu, abriu a porta do elevador, cumprimentou o porteiro, abriu a porta do prédio e saiu na noite fria e enluarada sem destino. Em choque, todos o olhavam, apontavam para o rapaz sem roupas, debochavam. Pierre não percebeu ninguém, porque não era o seu corpo que estava nu, era a sua alma que não tinha mais razão para se vestir e continuar.
Neste momento Pierre está na beira-mar mais famosa do país. Os turistas o olham sem entender. A polícia foi chamada. E ele continua a caminhar na direção do mar. Se a água gélida irá renová-lo, se a água gélida irá congelá-lo, se na água gélida ele irá desaparecer isso eu não sei. Eu sou apenas mais um que o observa sem entender e não tem coragem de chegar perto, mas mesmo de longe percebo que Pierre é extremamente afetuoso e sensível. Seres humanos sensíveis são os que mais sofrem. O mundo não é feito para eles. O mundo é feito para quem é insensível e racional. Talvez eu não faça nada por identificação com Pierre. Talvez eu me junte à ele. Não sei. Só sei que ele continua…