domingo, 30 de novembro de 2008

O caos

17:13h

17:30h





“É a pré-enchente!” – a frase é seguida de risadas.
Eram 4h da manhã do dia 23 de novembro de 2008. Sem saber o que aconteceria, andávamos nas ruas de Blumenau. A cada volta pelo centro, uma nova rua estava interditada. A possibilidade de voltar pra casa diminuía. O shopping principal da cidade já havia sido evacuado horas antes. Sem ter noção da tragédia que já iniciara, eles andavam pelas ruas de Blumenau.
Ao dar de cara com uma montanha de terra no meio da rua, ao fazer a volta e encontrar ruas alagadas, eles resolveram voltar para suas casas. Dormir.
8:00h uma mensagem chega no celular: “Acorda! Estamos FUDIDOS! Blumenau está caindo”. Foi o dia mais longo da minha vida. 23 de novembro de 2008.
Sem comida. Com pouca água. Saí à procura de algum supermercado aberto. Caminho pelas ruas. Passo em pontes que hoje não existem mais. O perigo era intenso, a fome também. Nada encontro e resolvo retornar ao meu velho prédio. A chuva continuava intensa. O telefone não parava de tocar. De tempo em tempo um amigo ligava dizendo que estava ilhado.
17h a notícia que nos deixou em choque. Casas nobres haviam acabado de desabar. Piscinas estavam onde antes era estrada. O terror iniciava. Nenhum lugar era seguro. Em 15 minutos vejo da janela do meu prédio a rua desaparecer. O rio tomar conta da cidade.
Sozinho em casa tento ficar calmo. As rádios não sintonizam mais. É anunciado na TV que a água será cortada. A noite chega. A energia termina. Ouço gritos de desesperos nos prédios vizinhos. O alarme de fogo toca. O choro toma conta de mim.
Os dias que se seguiram foram de caos completo. Demorou, mas a água baixou, deixando a cidade em lama. Tanques do exército passando na rua, helicópteros há menos de 50 metros da minha janela. Bombeiros, ambulância, polícia... o som era desesperador.
Blumenau era outra. Não mais a bela cidade. Agora,a cidade do caos. Quando as coisas pareciam melhorar, as noticias me deixaram mais apreensivo. Ilhota, minha cidade natal. Onde meus pais moram, meus amigos, minha família, meus amores. Ilhota está desabando. E não tenho como chegar lá. Só helicópteros chegam. A impotência me deixa louco. Não posso estar com eles. Quando o caos era aqui, o medo era menor. Eu poderia morrer. O meu prédio poderia cair. Não eles. Não meus pais. Agora o caos é lá e eu estou aqui, sem poder chegar. Sem poder fazer nada. O telefone toca, é minha mãe: “Está tudo bem. Aqui não tem perigo”. O alivio momentâneo.
Fazem 7 dias que a guerra começou. Ainda há bombeiros, helicópteros, exército, toque de recolher às 22h, policiais na frente de casa. Eu ainda não pude ver meus pais. E Ilhota continua a desabar.
A cidade que nasci e a que escolhi morar ainda caem. Toda vez que vejo a lista de mortos fico tonto. Sobrenomes conhecidos. Tristeza. As lágrimas saem de mim como as casas saíram do seu lugar, como os carros foram arrastados, como o medo que ainda vivemos.
Hoje o sol nasceu. A cidade amanheceu em silêncio. Estranhei. Alguns minutos depois de acordado ouço uma música num carro que passa. Música. Algo que havia desaparecido. O sorriso voltou, tímido, mas voltou.
Nesta madrugada o medo também reapareceu, a chuva era intensa. Muito ainda há pra se fazer.

Nós vamos reconstruir as minhas duas cidades.

Com toda a certeza.

Um comentário:

Anônimo disse...

Triste. Eu amo Itajaí e estava em Blumenau, por isso posso dizer que entendo um pouco do que passaste, apesar de que a situação em Ilhota foi mais grave que no litoral. Reconstruir sim, sem neura, com nosso jeito. Nada de querer trabalhar até morrer em nome da volta à antiga infra-estrutura. Arte, já! A tua é muito importante.

abraço